quinta-feira, 2 de abril de 2009

OLHEM QUE NÃO!

Recentemente foi-me dada a oportunidade de tomar conhecimento de um artigo de opinião assinado por Fernanda Câncio e publicado no Diário de Notícias de 12.12.2008, com o título “Olhem que não, Stôres”.

Será que este título denota um especial carinho pela profissão em causa, ou, como é comum hoje em dia, tem mais carácter depreciativo?

Vou apenas me debruçar sobre o conteúdo do último parágrafo, que passo a transcrever:

“A nível do ensino básico, o ratio professor/estudante é de um para 11, abaixo da média da OCDE (16); e no secundário é o mesmo, também abaixo da média (13) – com a curiosidade de no privado haver um ratio superior. Sendo um dos países da OCDE com menor PIB per capita, Portugal está, nesse grupo, entre os que melhor paga aos Professores. Por outro lado, se os Professores Portugueses em início de carreira estão entre os mais mal pagos da OCDE (em termos de poder de compra comparativo), a partir de 15 anos de carreira sobem na escala, ultrapassando a Suécia, a Itália e a Noruega, e no topo estão ao nível dos salários dos seu congéneres alemães e finlandeses, acima da Dinamarca, do Reino Unido e da França. Por fim, o tempo total de trabalho exigido os Professores Portugueses (1440 horas/ano) está mais de 250 horas abaixo da média da OCDE. Dificilmente o retrato de uma classe mártir e explorada. Antes pelo contrário.”

Assim:


1. Relativamente ao “ratio” Professor/Estudante”


Diz o artigo que em Portugal, no ensino básico e secundário é de 1 para 11, enquanto a média da OCDE é de 1 para 16, no ensino básico, e de 1 para 13, no ensino secundário, com a curiosidade de no privado haver um “ratio” superior. Não descurando o sector privado, sobre o qual um dia também comentarei, falemos apenas do sector público.

Vamos a um exemplo mais específico, mais concreto. Na Escola da minha filha mais nova existem cerca de 700 Alunos e cerca de 170 Professores, o que dá um “ratio” de +/- 1 Professor para 5 Alunos.

O que significa esse “ratio”, desculpem, eu prefiro, rácio?

Que temos na sala de aula, nessa Escola, cinco Alunos com um Professor? E no País, isso quer dizer que temos “salas de aulas” com 11 Alunos?

Claro que não!

Que temos Professores a mais no quadro? Talvez? E porquê?

Os Professores trabalham poucas horas e por isso são precisos muitos? Claro que não?

Analisemos.

No início da carreira o horário semanal de trabalho de um professor é de 35 horas, decomposto, de grosso modo, em 22 horas Lectivas (ou seja, a dar aulas, em sala). As restantes são distribuídas por serviço na Escola (aulas de substituição, aulas de apoio, salas de estudo, Biblioteca, Clubes, Direcção de Turma, Chefia de Departamento, e no que mais for preciso) e por tempo necessário para a correcção de testes e preparação de aulas.

E isso é errado?

Um professor com 50 anos de idade e 25 anos de serviço terá capacidade para leccionar 22 horas semanais? Ou, talvez, não! Terá de ter capacidade para leccionar as 35 horas e ainda ir para casa corrigir testes, preparar aulas, ser Director de Turma, dinamizar Clubes, etc, etc.?

Eu penso que não.

A idade tira-nos capacidades.

Façamos uma analogia com a profissão de, por exemplo, Médico, para não estamos a falar sempre de Educação.

Quem de nós gostaria de encontrar um Médico com 55 de idade, tendo no “lombo” uma semana de trabalho com 12 horas diárias (pois foi obrigado a fazer mais 4 horas extras diárias) e nesse dia a trabalhar já a 22 horas no Serviço de Urgência (porque o horário nas urgências é de 24n horas seguidas)? Eu não? Por muita capacidade desse Médico, a probabilidade de ele cometer um “erro”, na minha pessoa, por cansaço, é grande. E eu não quero ser o “pobre coitado” que teve azar. E o nosso Governo preparava-se, ou será que ainda se prepara, para ter tal cenário nos nossos Hospitais.

Voltando ao ensino.

A qualidade de ensino que desejamos, exige que quem o forneça esteja nas suas máximas capacidades.

Então, porque será que existe esse rácio? Porque, talvez, se tenha Professores a mais no quadro?

Analisemos a estrutura curricular.

Quantos e que Países da OCDE têm, por exemplo, treze disciplinas no 2º e 3º Ciclo do Ensino Básico? Quais são aqueles que têm disciplinas como “Estudo Acompanhado”, “Área de Projecto”, “Formação Cívica”? E mesmo nas “matérias” ditas clássicas, como Biologia, Física, Geografia, História, quantos são os que têm essas matérias distribuídas por essas disciplinas, ou, que as concentram numa só? Alguém já comparou a “quantidade” do conteúdo das matérias leccionadas em Portugal e nos outros Países da OCDE?

Que culpa têm os Professores de ao longo dos últimos 30 anos Portugal estar a ser “cobaia” de “ideias”, para não dizer de “idiotas”?

Eis pois senhores, a razão primária do rácio. A segunda, é a que defendi antes. Qualquer profissional, ao fim de determinado número de anos de trabalho, tem o direito, por exigência de quem usufruiu das consequências do seu trabalho, a ter em atenção as suas capacidades. Se não, corre-se o risco de cada um de nós, em vez de beneficiar desse trabalho, sofrermos com ele.

Para terminarmos a análise deste ponto olhemos de novo o “Chart D2.3” (página 431 de “Education at a Glance – OECD 2008”).

E deixo-vos aqui um exercício. Estatisticamente, para se analisar o comportamento e o significado de um conjunto de dados, não podemos apenas olhar para a média. Temos de olhar, para, por exemplo, e para além de outras coisas, para o “Desvio Padrão”. E saber relacionar, e saber o que significa ter uma certa média x e um certo desvio padrão y. E saber onde está “o número que representa Portugal”. Se dentro ou fora dos intervalos do desvio padrão. E….

2. No que respeita ao “… Portugal está, …, entre os que melhor paga aos professores…”

Uma outra leitura!

Veja-se o “Chart D3.1” (página 440 de “Education at a Glance – OECD 2008”).

Em termos de salários anuais dos Professores no topo da carreira, Portugal, no conjunto dos Países da OCDE (a 32), ocupa a 10ª posição. Se analisarmos só os Países Europeus que fazem parte da OCDE, que são 22, ocupa a posição. Ao fim de 15 anos de serviço, relativamente aos Países da OCDE, ocupa o 21ª lugar, e comparando-se com os Países Europeus, o 15º. No início da carreira, …, bem, nem vale a pena perdermos tempo sobre isso!

No antigo “Estatuto da Carreira Docente” que vigorou até mais ou menos três anos atrás, os Professores atingiam o topo da carreira remuneratória ao fim de 25 anos de serviço. No novo, só ao fim de 35, se houver vaga de acesso ao antepenúltimo escalão remuneratório. Se não os últimos 18 anos são passados com o mesmo vencimento.

Mas, quantos já estão no topo da carreira? São 20%, são 50%, são 80%?

O novo “Estatuto da Carreira Docente” só existe porque “o computador do Ministério da Educação” descobriu que em 2010 se encontrariam cerca de 40% dos Professores do quadro a atingir o topo da carreira. E isso, para um Governo de um Partido Socialista, é impensável.

Não tem um qualquer profissional o direito de ao fim de 35 anos de serviço, ter um estatuto remuneratório substancialmente melhorado relativamente ao seu início de carreira? Eu penso e defendo que sim!

E que dizer do meio da carreira, aos 15 anos de serviço? Um honroso 21º, ou 15º lugar, conforme comparados com um maior ou menor números de Países, deve ser o suficiente para nos fazer entender que não devemos mais nada “reivindicar”, pois, vejam lá … se não ainda vão parar à 32ª, ou à 22ª posição?

Todos nós, cada um de nós, tem o direito de ter uma remuneração digna pelo seu trabalho. E os “Ocidentais” têm de começar a abrir os olhos porque qualquer dia estarão sem horário de trabalho em troca de uma tigela de arroz, como em certos Países deste nosso mundo cada vez mais sofrido.

3. Sobre o “… Por fim, o tempo total de trabalho exigido aos Professores Portugueses (1440 horas/ano) está mais de 250 horas abaixo da média da OCDE. …”

O rácio apresentado no artigo de opinião está expresso no “Chart D4.1” (página 46 de “Education at a Glance – OECD 2008”), ver a coluna “Total Statutory working time in hours”, e diz respeito às horas de trabalho totais consignadas em Contrato de Trabalho. E a média surge de um conjunto de 16 Países dos 32 da OCDE porque os restantes, a outra metade, não forneceram essa informação.

É fácil criticar “Contratos Colectivos de Trabalho” hoje em dia. Até porque nós Portugueses quando temos de trabalhar, por contrato, oito horas diárias, e vemos um vizinho que só trabalha sete, não descansamos enquanto esse mesmo vizinho não trabalha nove ou dez.

Volto aqui a lembrar como se deve estudar estatísticas. Veja-se os países Europeus que contribuem para essa média, a ter menos horas de trabalho, por “Contrato Colectivo”, que Portugal.

Mas veja-se uma outra leitura. Entre muitas outras possíveis.

No mapa “Chart D4.1” (página 458 de “Education at a Glance – OECD 2008”) que referencia o número de horas de ensino efectivo, ou seja, na sala de aula, que é o que nos interessa, ou não, Portugal, numa escala descendente de horas, está em 11º lugar no conjunto dos Países da OCDE, e, considerando apenas os Países Europeus, em , com menos uma hora de diferença para o segundo.

Afinal, estamos assim tão beneficiados?

Afinal, o que interessa divulgar? O que faz com que os outros pensem que “outros” são os “privilegiados”?

A jeito de finalização do “comentar” o artigo em causa faço mais um reparo: O Estudo da OCDE “Education at a Glance” em causa não deve ser lido apenas superficialmente olhando os números em diagonal mas também dever-se-á ter em atenção os comentários e explicações expressas no mesmo. Verão que encontrarão várias surpresas….

Antes de terminar tenho de fazer aqui uma “Declaração de interesses”. Ou seja, para que não se formem equívocos, é necessário ficarem a saber que os comentários acima por mim efectuados só são possíveis porque existem por parte da minha pessoa três tipos de interesses. A saber:

1.

Sou casado há 24 anos com uma Professora que exerce há cerca de 26. Tenho duas filhas ainda a estudar, uma de 23 anos e outra de 17. Conheço o ensino Público e Privado em Portugal.

2.

Pertenço a várias “Corporações”.

À dos “Pais que se interessam pelos seus filhos”, à dos “Maridos casados com Professores”, à dos “Cidadãos que se envolvem na Sociedade”, à dos “Poetas”, para além de outras.

Numa altura em que está em moda afirmar que Portugal é um País de “Corporações” e que é preciso combater os interesses instalados dessas “Corporações” e tendo eu me debruçado (em sentido figurativo é claro) sobre esses dois conceitos, comecei a formular, entre muitas outras, as seguintes questões:

Qual a Sociedade organizada neste Mundo que não se encontra formada por “Corporações”? E isso é mau? Porque em Portugal só se fala e só se combatem as Corporações dos Médicos, dos Juízes, dos Professores, e não se fala e nem se combate as “Corporações” dos Empresários, das Igrejas, dos Políticos, das Câmaras Municipais, dos nossos “sacrificados” Deputados? …

3.

Não gosto de comer palha.

Muitas vezes revejo-me no velho ditado: “Todo o burro come palha, só é preciso saber dar-lha”. E este governo tem sabido distribuí-la…

….. e até uma próxima oportunidade.

PORQUE NÃO VOU VOTAR PS, NEM PSD, pelo menos...

Quem não gostar ou bem degustar do que vai encontrar, ao continuar a ler, que passe à frente...!
Mas não se preocupem os mais afoitos a melindres. Eu aceito ler a opinião dos outros, mesmo sobre as minhas.
Foi-me alimentado um problema existencial.
Bem, dizem-me muitos, é porque não o sabes resolver. Dou a mão à palmatória. Não sei. E começo a ter dúvidas se alguma vez o vou saber. Ou se alguém virá em minha ajuda.
E qual é esse "qui pro quo" existencial?
Tenho duas filhas.
Como dizer-lhes que à Escola não devem faltar, que nela devem aprender e aprender, com esforço por elas despendido, obtendo conhecimentos sólidos e provando ao longo da sua vida que o são...?
Como dizer-lhes que todo o "ganho" que seja fruto de um qualquer acto tipo "xico-espertismo", embora possa ser atraente, mais cedo ou mais tarde, contra elas se vai virar...?
Como dizer-lhes que devem procurar sustento através de trabalho honesto e não recorrendo a um qualquer "esquema"...?
Como dizer-lhes que é errado ser corrompido ou corromper...?
Como dizer-lhes que devem acreditar que a Justiça existe...?
Como dizer-lhes que a arrogância e a prepotência são males do mundo que devem ser combatidos...?
Como dizer-lhes que não devem ter medo de se manifestar, de mostrar as suas ideias, de lutar pelos seus ideais...?
Como dizer-lhes que não se preocupem por que nunca, ninguém as irá escravizar...?
Como dizer-lhes que as devo educar nos princípios da ética, da honestidade e da solidariedade...?
Como dizer-lhes que vivo em Portugal! Onde..? Em Portugal! País de escritores, filósofos e poetas... mas também e principalmente, de "gajos porreiros"...
E o que e quem são os ditos "... porreiros"? Imaginem....
Como dizer-lhes que é por ter este problema existencial que não vou votar PS, nem PSD...?

quarta-feira, 1 de abril de 2009

TENTO NA LÍNGUA

A correcção linguística é vista por vezes como uma questão de boas maneiras, entendidas não como um acto generoso de civilidade que tem como fim um convívio mais agradável entre todos, mas antes como uma marca de superioridade social que tem como fim oprimir os outros. É como ter vergonha de pronunciar "lète com caféi", à alentejana, mas ter orgulho em adoptar a pronúncia de certas classes sociais prestigiadas. Isto prostitui a língua, que deixa de ser vista principalmente como um instrumento de comunicação e conhecimento, para se tornar um instrumento político para demarcar territórios sociais. Nesta mesma linha, encara-se muitas vezes a gramatica, a sintaxe ou a ortografia como instrumentos de opressão social e não como um instrumento que devemos conhecer melhor, se o nosso trabalho ou interesse o exige.
Num campo oposto está uma atitude que vê todo e qualquer uso da língua como legítimo, recusando aceitar a tradicional distinção entre a língua culta e a língua popular, ou entre o registo oral informal e o registo escrito formal. Num certo sentido, é verdade que a língua é exactamente o que as pessoas quiserem fazer dela:é o modo como as pessoas falam ou escrevem que determina o que é a língua, e não qualquer entidade linguística abstracta e normativa que determina como as pessoas devem usar a língua.
Ironicamente, esta perspectiva acaba por ter como resultado o mesmo tipo de opressão política de quem encara a língua como um instrumento de demarcação social. Pois ao vender a mentira de que todos os modos de falar a língua são iguais, só por se recusar correctamente a ver uns como superiores aos outros, esta posição fecha num gueto quem não tem amplos recursos de comunicação, reflexão e raciocínio, vendendo-lhes a mentira de que todos os modos de usar a lígua se equivalem. É verdade que nenhum modo de usar a língua é superior ou inferior a qualquer outro, mas isso não é por não haver diferenças imensas de sofisticação, subtileza e poder expressivo entre diferentes modos de usar a língua, mas porque a classificação de tais diferenças em termos de superioridade e inferioridade é inapropriada por recorrer a conceitos adequados apenas às desassisadas hierarquais sociais.
O nosso objectivo educativo e público deve ser dar mais recursos linguísticos a quem os quiser, mas procurando desligar isso definitivamente da apropriação social e política costumeira.
As pessoas não devem ser inferiorizadas ou oprimidas, na escola ou em qualquer outra parte da vida, por pronunciar palavras deste ou daquele modo, por dar erros de ortografia ou por não dominar sintaxes complexas ou léxicos sofisticados. Devem é ter a oportunidade de conhecer melhor o seu instrumento linguístico, para que sirva melhor as suas necessidades. E não devemos esquecer que a lingua alarga-se e torna-se mais sofisticada exclusivamente pelo uso que fizermos dela, pelo que qualquer atitude purista pode impedir o enrequecimento da língua, em vez de o incentivar.

Desidério Murcho (filósofo, em "Penssar outra vez", Jornal Público de 17.03.2009)